segunda-feira, julho 17, 2006

O meu fim de tarde de Domingo

Eram 6 horas da tarde, coisa menos coisa, quando saí de casa para dar a volta do costume. Mas o costume aqui para o je, é ser de manhã a partir das 9. Neste Domingo resolvi ir de tarde, depois da hora de mais calor, O trajecto é feito todo a pé, da minha casa até ao Inatel de Oeiras são 5 minutos, neste ponto é onde eu entro no passeio marítimo de Oeiras, que vai desde da Marina até ao fim da praia de Santo Amaro de Oeiras, e tem um comprimento de 2300 metros.

Estava já uma temperatura agradável para se passear à beira mar, e eu assim fiz, percorri aquelas centenas de metros até ao Porto de Recreio de Oeiras (vulgo Marina de Oeiras), ao longo do caminho fui observando todas aquelas pessoas que passavam por mim, às vezes esquecia-me das pessoas e olhava para aquele mar e rio, sentindo o cheiro da maresia que o rebentar das ondas nas rochas fazia soltar, como aquele cheiro que se entranha dentro mim, é quase inebriante, os pulmões abrem-se sem esforço até à sua capacidade máxima, aquele ar entra na corrente sanguínea, e sinto todas as minhas células oxigenadas, e elas vibram e eu, o todo, também vibro.

Cheguei à zona dos restaurantes da marina, passei por eles e fui em direcção ao último banco junto ao farol verde que assinala a entrada na marina, ali me sentei, abri o livro, esse que uma amiga me emprestou para ler, “Mau tempo no canal” do Vitorino Nemésio, tenho que dizer isto, eu sou fã do Nemésio desde os meus 5 anos de idade, não perdia nem um programa dele, aquele programa cultural de seu nome, “Se bem me lembro!”, mas por incrível que pareça, nunca li um livro dele. Lá estive na leitura do livro, entrecortada com olhares distantes para Praia de Santo Amaro, até à Ponte 25 de Abril, alcançando as praias da Costa da Caparica até ao Cabo Espichel, e pelo meio o Farol do Bugio, caindo esse relance naquela linha invisível que separa o céu do mar, voltando a quebrar-se no Forte de São Julião da Barra. Acabei a rir ao ler a última parte daquele capítulo:

“…A velha respondeu cinicamente:
- Nem foi o bispo nem fui eu; ganhou-o com o seu suor! Eu só lhe dei uma coisa que não te dava a ti, descansa…
Ângelo estava radiante, Henriqueta interveio:
- Não diga baboseiras, tia!
- Ora essa! Então dei eu ao Sr. Borges que não se possa saber? A flor da minha mocidade! Fui mulher aos treze anos.
- Outra! – disse Ângelo.
Henriqueta tornou:
- A tia sempre é muito porquinha!...
- Pois olhe a menina, eu dizia estas coisas diante de sua cunhada Emília, e ela não ria nem se me punha a pregar. A menina finge que não gosta, mas vai-me puxando pela língua.
Os olhos de Henriqueta fuzilaram, chegou-lhe a tremer o beiço, mas disse só, secamente:
- Deite-se para baixo e durma; ah…!
A surda escorou-se nos imensos ossos do peito, resistindo aos braços de Henriqueta com um olhar fusco e cínico:
- Merda!
- Louvada seja a coisinha do Menino Jesus! – murmurou Ângelo, edificado e contente, já da porta.
A velha, entabuada na cama e deitando-lhe uns olhos de pólvora, repetiu o palavrão.”

Delicioso, este final de capítulo.

De seguida fiz-me ao caminho e fiz-me o outro pontão, aquele com o farol vermelho que assinala a entrada da marina, no final deste pontão tem melhores vistas, o olhar não consegue num só lance abarcar tudo, torna-nos pequenos.

Voltei para trás, e então aí, fui até ao fim, fui até ao restaurante Saisa que está sobre a praia, agora volto para trás pelo meio, passo por entre famílias e grupos de jovens a saírem da praia. Estava quase a sair do passeio marítimo, quando me aparece pela frente, um casal de namorados de mãos dadas, e aconteceu-me uma daquelas leituras rápidas que me surgem do “nada”, o rapaz mais alto do que ela, não se olham, não se falam, não comunicam, e os meus olhos vão-se fixar nos olhos dela, olhos que estão tristes, e salta-me isto dentro da minha cabeça, “Sinto-me presa”, ela apercebeu-se daquilo que se passou comigo, e ficou sobressaltada, mas não havia tempo de reacção, eles já tinham passado e ficado para trás de mim.

A minha volta de fim de tarde de Domingo estava a acabar, eram já 8, faltava ainda o retorno a casa, mas vinha mais reconfortado, mais cheio, mais alegre, mais equilibrado, mais tudo, e por fim mais cansado. Huuum!! Que cansaço bom!!

5 comentários:

Desassossego disse...

(...)o rapaz mais alto do que ela, não se olham, não se falam, não comunicam, e os meus olhos vão-se fixar nos olhos dela, olhos que estão tristes, e salta-me isto dentro da minha cabeça, “Sinto-me presa”....

Aragana disse...

Gostei muito deste post...

Anónimo disse...

belo olhar e uma bela paisagem que contém ela dentro de si, magia...gostei tanto como gosto decontemplar essa paisagem que descreves.
Beijos

Salseira disse...

Por vezes sentimo-nos mesmo presas mas nem nos apercebemos que assim nos sentimos. Só quando nos libertamos é que percebemos como estávamos...

Desassossego disse...

Sim, é sem dúvida um passeio muito bonito...
Uma tranquilididade, uma serenidade. Sente-se uma vibração muito positiva...nesse passeio maritimo...

Xi apertadinho....